terça-feira, 24 de abril de 2007

Paredes rachadas nas extremidades



O filme Zona de Conflito (Inglaterra, 1999) dirigido por Tim Roth deixou para mim a lição de que não há nada que possa ser omitido ou ocultado eternamente. Além do que, esse ato é sujeito a provocar graves seqüelas quando este se dá no meio familiar. O fetiche é uma daquelas coisas que todos um dia tiveram ou têm, porém não se faz questão nenhuma de se revelar. Às vezes nem a nós mesmos.
Mas o que chamou atenção no todo, não é somente essa questão, mas também como qualquer um de nós é capaz de se sentir mais seguro, ou menos vulnerável (depende do ponto de vista), aos riscos oferecidos pelos segredos, pelas pequenas coisas que se encontram nas entrelinhas da vida. Enfim, isso pode ficar mais claro pra nós por diversas maneiras, mas aí entra a questão pessoal daquele que sobra no grupo, no caso aqui a família. É árduo pra qualquer um ter que pesar o vínculo afetivo coletivo com o vínculo afetivo íntimo. Claro que para se entender isso não é necessário ver o filme. Basta ter uma convivência “normal” em família para se identificar isso.
Dentre essas maneiras de chegar até a chave do “conflito” está a posta no filme. Como deixar uma criança aparentemente normal traumatizada lhe causando problemas comportamentais? Um dos métodos mais evidentes é a mudança de residência. Podem ser várias em dado espaço de tempo, mas no caso aqui é única e definitiva, na qual o mais afetado é o garoto Tom. Ele abandona não só a casa, mas também seus amigos, todo um ambiente que lhe fazia sentir-se confortável, uma espécie de rotina que lhe satisfazia. Nisso tudo era “escondido” tudo aquilo que cairia sobre ele na pacata e monótona Devon. Sua inocência seria (e foi) eternamente afetada por tudo aquilo que lhe parecia inimaginável (ou talvez outra palavra desse tipo).
No que envolve estritamente o filme, a única coisa sem noção propriamente dita foi o fato de sua mãe ter o bebê logo após o acidente, ainda com o carro virado à margem da estrada. Mas isso não deixa de representar simbolicamente a questão do imponderável que é mostrada no decorrer da história. O fato de Tom não ser mais o caçula “queridinho” da família é somente a cereja do bolo de situações indigestas nas quais ele vai encontrando. Já não basta conviver com o pai sendo verborragicamente agressivo. Este além de esparramar seu autoritarismo boçal, por vezes humilhando o garoto ainda tem o tal fetiche de....... “molestar” sua filha mais velha de vez em quando. E não bastou espiar pelo vidro do banheiro por acaso, teve que, dias depois, encontrar um pilha de fotos com cenas picantes dos dois. Filha essa que se mostra (não de graça), muito promíscua, além de se insinuar para o pobre e já afetado Tom. Uma chacota ideal para o rapaz tímido, espinhento, virgem e ainda assim acumulando traumas e choques com o panorama oferecido especialmente por ela e seu rico pai. E a mãe dele? Bem, ela anda ocupada somente com o nenê e simplesmente passa batido por tudo com o que o jovem Tom bate de frente. Tanto que na sua cabeça, o marido é o exemplo ideal de pai de família que se mudou com a família somente por fins profissionais.
A essa altura nem lhe afeta muito o fato de uma amiga de sua irmã, que poderia ser sua mãe(frase dita pela própria ao garoto), tentar tirar sua virgindade. Mas o constrangimento é tal que nada acontece. O estopim disso tudo é quando em dado momento ele flagra o pai se excedendo com a garota de modo com que a própria se sinta de fato molestada. E como Tom já sabia da relação, acaba entrando em cena a tal cumplicidade fraterna vista nas melhores famílias. Logo o pai deles é o vilão definitivo. Nesse enfrentamento fica claro que não há hierarquia familiar ou o tal vínculo coletivo que supere a honra pessoal. E quando nos deparamos com esse tipo de situação é que nos sentimos presas fáceis das armadilhas da vida, mesmo que elas não estejam presentes de fato em nós. Conclui-se que somos fracos e que deixaríamos simplesmente o ciclo seguir normalmente e fingir que nada acontece, que está tudo bem.
Isso nos mostra além disso que, Tom era o “normal” na família e que além disso resolve encarar e superar as suas limitações de personalidade afrontando os males que o cercam e mais: impedir que esses se alastrem afetando a criança recém-nascida e tragam seqüelas ainda maiores para ele, sua irmã e sua mãe. Deixa claro que antes de pensar em fugir de uma zona de conflito, deve-se tentar superá-la para não ser vencido.
*Trilha: King Crimson - Epitaph (inspirou o título do post)
C.V.

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